Hoje, deixo a mesa 65 na calçada da Pizzaria Guanabara.
Deixo o papo inofensivo sobre paixões, angústias e solidão dos boêmios do
Leblon. Deixo as amenidades de segundo caderno na tentativa de colocar em
prática uma lição que aprendi há mais de três décadas.
Em 1980, aos 18 anos, publiquei meu primeiro livro. Um único
e longo poema com o título “O Ardente Naufrágio de Minas”. Cheio de coragem,
enviei um exemplar à uma das mais respeitadas críticas literárias do país na
época, Laís Correa de Araújo, que tinha uma coluna aos domingos no jornal O
Estado de Minas. Nunca me esqueci a conclusão da crítica: “O livro não é ruim,
mas não faz acontecer nada”.
Lembrando do aprendizado, tenho o dever de reconhecer que há
muito mais entre a mesa do bar e as ruas da cidade do que supõe nossa bêbada
filosofia.
Vivi, ao lado de Wanderlei Gomes, Rômulo Mello, Otavio
Previdi e outros companheiros, a experiência
de morar e trabalhar perto da morte. Era Angola, 1995. Os assassinatos com
total impunidade eram justificados pela guerra civil.
Agora é Brasil, 2014. Criança é assassinada e atirada num
rio. Outra é espancada até a morte e o corpo abandonado no fundo do quintal.
Menina é banhada em gasolina e incendiada dentro de um ônibus. Grupo de
adolescentes é atropelado por motorista bêbada. Jovem é atirada das alturas de
sua própria casa por ex-namorado ciumento. Exemplos recentes dos mais de 50 mil
assassinatos por ano registrados no Brasil dos últimos tempos. E como não há
guerra declarada, a impunidade vem em fugas facilitadas, em álibis forjados, fianças
baratas, ou em muitos buracos na lei.
Enquanto isso, advogados dão Control C Control V em Habeas Corpus para bandidos de todos os
níveis. Juízes devolvem assassinos às ruas com as chaves dos equívocos de um
código penal obsoleto.
E a imprensa, a última das esperanças, dá prioridade aos
preparativos para a Copa do Mundo, ao verão escaldante no Rio, ao inverno
congelante no hemisfério norte ou à prisão de mais um parlamentar corrupto.
Esquecendo em dados estatísticos os mais de 50 mil brasileiros assassinados por
ano. Cobrando do poder público mais faturas de anúncios e comerciais do que
atitude. Orientando redações para escrever como quem na juventude escreveu um
livro. E não aprendeu que não fez acontecer nada.
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