domingo, 12 de janeiro de 2014

ESCREVER PRA FAZER ACONTECER



Hoje, deixo a mesa 65 na calçada da Pizzaria Guanabara. Deixo o papo inofensivo sobre paixões, angústias e solidão dos boêmios do Leblon. Deixo as amenidades de segundo caderno na tentativa de colocar em prática uma lição que aprendi há mais de três décadas.
Em 1980, aos 18 anos, publiquei meu primeiro livro. Um único e longo poema com o título “O Ardente Naufrágio de Minas”. Cheio de coragem, enviei um exemplar à uma das mais respeitadas críticas literárias do país na época, Laís Correa de Araújo, que tinha uma coluna aos domingos no jornal O Estado de Minas. Nunca me esqueci a conclusão da crítica: “O livro não é ruim, mas não faz acontecer nada”.
Lembrando do aprendizado, tenho o dever de reconhecer que há muito mais entre a mesa do bar e as ruas da cidade do que supõe nossa bêbada filosofia.
Vivi, ao lado de Wanderlei Gomes, Rômulo Mello, Otavio Previdi  e outros companheiros, a experiência de morar e trabalhar perto da morte. Era Angola, 1995. Os assassinatos com total impunidade eram justificados pela guerra civil.
Agora é Brasil, 2014. Criança é assassinada e atirada num rio. Outra é espancada até a morte e o corpo abandonado no fundo do quintal. Menina é banhada em gasolina e incendiada dentro de um ônibus. Grupo de adolescentes é atropelado por motorista bêbada. Jovem é atirada das alturas de sua própria casa por ex-namorado ciumento. Exemplos recentes dos mais de 50 mil assassinatos por ano registrados no Brasil dos últimos tempos. E como não há guerra declarada, a impunidade vem em fugas facilitadas, em álibis forjados, fianças baratas, ou em muitos buracos na lei.
Enquanto isso, advogados dão Control C Control V em Habeas Corpus para bandidos de todos os níveis. Juízes devolvem assassinos às ruas com as chaves dos equívocos de um código penal obsoleto.
E a imprensa, a última das esperanças, dá prioridade aos preparativos para a Copa do Mundo, ao verão escaldante no Rio, ao inverno congelante no hemisfério norte ou à prisão de mais um parlamentar corrupto. Esquecendo em dados estatísticos os mais de 50 mil brasileiros assassinados por ano. Cobrando do poder público mais faturas de anúncios e comerciais do que atitude. Orientando redações para escrever como quem na juventude escreveu um livro. E não aprendeu que não fez acontecer nada.

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