sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

MEDO DO ESCURO


Eu, como muitos da minha geração, esperei presentes de Natal que nunca chegaram. Autorama, Monareta, Calói 10 Marchas. As meninas sonhavam com bonecas que falavam, cantavam e até faziam xixi. Brinquedos caros, numa época de quase monopólio da Estrela, da Trol e dos dois fabricantes de bicicleta no Brasil, a Monark e a Calói.

Desde pequeno, tenho uma obsessão pelo que produz luz. Tive dezenas de lanternas. As melhores foram duas Eveready, destruídas quando cismei de ter o primeiro carrinho de rolimã com faróis.

Lampião a querosene e a gás, lanterninha magnética com um lado fluorescente e outro vermelho que piscavam alternadamente. Tive todas as armas de combate às trevas.

Se na infância gostava dessas fontes de luz, depois de adulto desenvolvi uma preferência por muita luz. Mas muita mesmo, tipo supermercado. Gosto da Europa, onde morei por oito anos. Mas sentia uma falta enorme das lâmpadas de mercúrio nas ruas. Aquela iluminação meio amarelada sempre me incomodou, embora eu tenha o maior respeito pela economia de energia.

Meu TOC – Transtorno Obsessivo Compulsivo, me criou alguns constrangimentos com mulheres adeptas da meia luz. Para elas, trazia na ponta da língua a justificativa: “seu corpo é tão bonito, deixa a luz acesa, vai”. Se a beleza existia ou não são outros 500 watts. O importante era evitar a penumbra.

Não sei porque nunca tratei disso na psicanálise. Afinal, a fixação pode ser facilmente confundida com medo do escuro, o que não ficaria muito bem para alguém com mais de 50 anos. E hoje, mais perto de gente maluca do que do divã, conheci na minha mesa da Guanabara um profissional que nunca imaginei que pudesse existir. Um Vendedor de Luzes. Um cara que anda pela madrugada do Leblon vendendo lanternas, lâmpadas com controle remoto, abajures giratórios que colorem o ambiente, anéis luminosos para guidão de bicicleta e outras traquitanas de Led. Fiquei tão ligado a esse cara que ele me concedeu uma conta corrente. Se tem perspectiva de novidade, pago adiantado e espero a entrega. Se traz um lançamento e estou sem dinheiro, pego e pago depois.

Foi assim que semana passada descobri com o Vendedor de Luzes, outra mania que desconhecia. Meu fornecedor de claridade colocou sobre a minha mesa um radinho de pilha. Imediatamente me encantei com a delicadeza do aparelho. E lembrei do meu ex-sogro, Plácido, pai de Sandra Freitas, que num dia de dezembro, me pediu carinhosamente para ser diferente com seu presente de Natal. Só aí percebi que nos sete Natais anteriores eu o tinha presenteado com rádios de pilha.

Comprei o radinho e estou apaixonado por ele, como se fosse o Autorama ou a bicicleta, presentes que nunca pousaram na árvore colorida.

Feliz como uma criança na manhã de Natal, ligo discretamente o meu radinho na mesa 65 da Guanabara. E finjo que não vejo tanta gente que fica ali até o amanhecer, só porque tem medo do escuro.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

FILHOS MERECEM E DEVEM SUPERAR SEUS PAIS.


Há alguns anos tenho minha mesa na calçada da Pizzaria Guanabara, no Leblon. Quase sempre estou só. Mas por essa mesa com menos de um metro de diâmetro, passam velhos e novos amigos. Mulheres apaixonantes, outras batedoras de carteira. Compositores, atores, atrizes. Empresários, políticos, diretores e executivos de emissoras de televisão. Escritores, humoristas, cineastas, artistas plásticos. Sem esquecer a assiduidade luxuosa de Ricardo Machado e Ana, Jean e Melissa Canero, Fernando Faraco, Crica Kloske, minha irmã Ana Luiza Sampaio, a policromática Wanessa Vidigal e a sempre Maria Cristina Santos. Uma agradável novidade no meu pequeno círculo de madeira é um novo e simpático amigo, filho de reconhecida celebridade da MPB, que me sensibilizou por sua discreta dor de não poder superar o pai. Não porque seu talento seja inferior. Ao contrário, suspeito que é superior. Mas ele não expõe sua arte, por uma estranha mistura de medo e respeito à estrela que o gerou. Observei que o mal é mais recorrente do que se imagina, quando há dois dias um cara mais velho, filho de um médico de reconhecimento internacional, pousou por acaso na minha pequena roda de madeira. Passamos umas três horas conversando. A conclusão dele: “papai é o máximo e eu sou um bosta”. Não sei o quanto contribui para aliviar ou alimentar o sofrimento do novo amigo. Mas aprendi que, se a capacidade de ser artista ou especial em alguma atividade profissional já é por natureza sofrida por todas ameaças a que estão sujeitas, quando refém da equivocada raiz genética o desconforto beira o insuportável. Chega à desistência do ofício ou a fatalidades piores. Por que muitos filhos tem pavor em superar os pais? Por que muitos pais se sentem ameaçados pelo talento dos filhos? Mistérios da vaidade paternal. Não sei se este foi o meu caso enquanto pai. Na dúvida, exalto a indiscutível capacidade de Maíra de Souza e a de Otávio Rangel, meus dois filhos brilhantes nas suas atividades. Se tive ou tenho, ainda que inconsciente e nem por isso menos estúpida, a covardia dessa vaidade, a destruo aqui e coloco meu texto a disposição prioritária para revelar meu orgulho de ter gerado dois filhos muito mais talentosos do que eu.